Nº 350 . ANO XXIX . JULHO 2018 . ENTREVISTA

PRESENTE X FUTURO
Presidente do CRCSP, Marcia Ruiz Alcazar, fala sobre os desafios da profissão e os planos da entidade para manter o setor fortalecido
Diante do excesso de trabalho, da alta burocracia e das mudanças provocadas pelo uso de tecnologias disruptivas, o setor contábil enfrenta o desafio de atrair e reter novos e talentosos profissionais. No CRCSP, a oferta constante de cursos de atualização profissional minimiza o drama da formação, mas ainda há vários desafios, conforme explica a presidente da entidade, Marcia Ruiz Alcazar. Acompanhe a entrevista concedida por e-mail.
SESCON-SP: Como é estar à frente do maior conselho regional de contabilidade do país?
MARCIA RUIZ ALCAZAR: Ter sido eleita presidente do CRCSP é, sem dúvida, o resultado de muito trabalho e dedicação à classe contábil e à profissão, além de uma grande honra, é claro. Venho de uma família de contadores e a contabilidade sempre esteve presente na minha vida; ela faz parte da minha história.
Em relação às entidades da classe contábil, é motivo de orgulho ver mais mulheres ocupando cargos de liderança e poder fazer parte dessa mudança. O movimento da mulher profissional da contabilidade contribuiu de forma inegável para atingirmos esse patamar; assim como o movimento de desenvolvimento de jovens lideranças. Foi graças a eles que me envolvi com as entidades.
SESCON-SP: Neste marco de 100 dias da gestão 2018/2019, que lições profissionais e de liderança você pode compartilhar?
MARCIA RUIZ ALCAZAR: Precisamos sempre buscar a inovação. Vivemos em um mundo onde negócios disruptivos se tornaram frequentes, oferecendo mais benefícios aos consumidores, seja pela simplicidade, pelo preço, conveniência ou atendimento de novas demandas que surgem. No CRCSP, oferecemos serviços aos profissionais registrados e também buscamos essa disrupção, pois queremos oferecer sempre o melhor.
A maior novidade foi o lançamento do aplicativo CRCSP. É o único aplicativo do profissional da contabilidade com funções e serviços para facilitar o dia a dia e o contato com o Conselho. Por meio dele, o profissional pode agendar atendimento, atualizar seu cadastro, assinar a revista impressa gratuitamente, inscrever-se em atividades de desenvolvimento profissional. Ele também pode consultar sua situação em relação à Educação Profissional Continuada, afinal, cada vez mais aumenta o número de contadores e técnicos em contabilidade obrigados a cumprir a Norma Brasileira de Contabilidade NBC TG 12. O CRCSP oferece todas as condições para que os profissionais possam exercer a profissão de forma plena e o aplicativo foi desenvolvido pensando no profissional: é uma inovação fantástica.
Além disso, o prazo para concessão de registro profissional, quando solicitado nas delegacias regionais e locais era muito demorado e esse sempre foi o maior índice de reclamação em nossa Ouvidoria. Implementamos um novo procedimento e conseguimos reduzir esse prazo de mais de 30 dias para apenas uma hora. Isso mesmo! Se a documentação estiver correta, a delegacia poderá, assim como é feito na sede, disponibilizar o número do CRCSP ao novo profissional, sem burocracia e de forma muito mais simplificada. É o CRCSP trabalhando para que novos profissionais da contabilidade possam entrar no mercado de trabalho.
Outra ação importante foi o lançamento do atendimento na sede do CRCSP com horário marcado. O profissional que desejar um atendimento presencial poderá agendar pelo aplicativo ou via serviços on-line disponível no portal do CRCSP um dia e horário de sua preferência para que um funcionário especialista esteja a disposição na hora marcada, evitando com isso surpresas ou demoras com filas. O tempo é precioso e o CRCSP respeita muito isso. Queremos que o profissional seja sempre atendido da melhor forma possível.
SESCON-SP: Quais são os atuais desafios do profissional da Contabilidade no Brasil?
MARCIA RUIZ ALCAZAR: A burocracia! Infelizmente, ainda vivemos uma realidade difícil em termos de processos e isso limita um pouco a atuação do profissional da contabilidade, que, às vezes, fica impedido de desenvolver todo o seu potencial.
Como órgão de controle e fiscalização que somos, seguimos muito focados em nossas prerrogativas e as cumprimos fielmente, mas isso não impede de irmos além. Por isso que apoiamos iniciativas propostas pela Frente Parlamentar de Empreendedorismo, participamos ativamente de diversos conselhos econômicos, entidades representativas dos diversos setores como Fecomercio, Fiesp, Ciesp, OAB, do Conselho Federal de Contabilidade (CFC), Jucesp, Codecon, CAT, entre outras.
Este ano, retomamos em São Paulo, junto com Sescon-SP e Receita Federal 8ª Região, uma pauta de reinvindicações positivas para melhoria da relação com contribuintes e profissionais da contabilidade. Recentemente estivemos na casa civil da presidência da república em Brasília, em comitiva com Sescon-SP, Fenacon, Sebrae-Nacional e CFC para pleitear um plano de contingência e comunicação nacional para o Sped e-Social. Entendemos que o projeto proposto pelo Governo Federal mudará para melhor a vida do cidadão brasileiro em termos de controle social, porém, para isso dar certo, deve ser feita ampla divulgação nacional. Imagine o cidadão não receber seu salário ou o governo não receber o imposto devido porque o Sped e-Social travou. Seria o caos. Alertamos para o fato de que a obrigação acessória nunca pode sobrepor uma obrigação principal. Além de que, caso o Sped e-Social apresente problemas durante a sua utilização, até o momento, não existe um plano de contingência aprovado pelo governo federal para que as empresas possam cumprir com a sua obrigação principal, como pagamento dos impostos e salários,. Seguimos atentos e confiantes que o pleito apoiado por toda classe contábil e entidades dos diversos setores econômicos sensibilize o governo federal e garanta as pequenas empresas o tratamento diferenciado previsto em lei.
Como sabemos, a demanda por desburocratização e simplificação é gigante. Precisamos de um cenário favorável ao empreendedorismo em nosso país e, sem dúvida, a união da classe contábil no Estado de São Paulo fortalece nossa voz ativa nas questões regulatórias, de controle e fiscalização dos governos; afinal cabe aos profissionais da contabilidade manter a relação entre o fisco e o contribuinte em perfeita sintonia.
SESCON-SP: Quais são as prioridades do CRCSP, atualmente?
MARCIA RUIZ ALCAZAR: Uma de nossas prioridades é o Desenvolvimento Profissional. Estamos investindo ainda mais em atividades nessa área para assegurar aos profissionais registrados todas as condições necessárias para o exercício pleno da profissão contábil e o cumprimento do Programa de Educação Profissional Continuada. Descentralizamos as atividades na capital e intensificamos a divulgação, o que resultou, até o momento, em 479 profissionais e 246 estudantes participando pela primeira vez em uma atividade do Conselho. Também oferecemos conteúdo a distância para que o profissional possa adquirir conhecimento via internet, escolhendo o horário e o local para se aprimorar.
Ainda no campo da educação continuada, realizaremos em novo formato as convenções regionais. Nossa proposta é levar para diversas cidades do interior do Estado de São Paulo e também em diferentes bairros da capital, fóruns e summits da contabilidade, discutindo temas de interesse e para valorização profissional em todas as áreas de atuação. Será transformador!
SESCON-SP: Quais ‘bandeiras’ serão defendidas por esta gestão?
MARCIA RUIZ ALCAZAR: Movido por conquistas, inovando pela profissão. É o lema que norteia essa gestão 2018-2019. Honrar a nossa história e reconhecer todo trabalho que vem sendo desenvolvido ao longo dos mais de 70 anos de regulamentação da nossa profissão é algo que muito nos orgulha.
Inovar pela profissão é um compromisso que assumimos para fazer melhor o que sabemos fazer. Ao focarmos na inovação, na integração e na humanização não é coincidência de que o movimento proposto é ação e assim seguimos muito animados e confiantes de que conduziremos essa gestão na mais perfeita sintonia de propósitos. Afinal, o ponto comum que nos une é a escolha de vida que fizemos: ter a ciência contábil como profissão.
Trabalharemos muito pelo reconhecimento da classe contábil e, ao mesmo tempo, queremos trazer o profissional mais para perto do CRCSP. O Conselho é muito mais do que um órgão de registro e fiscalização. Iniciamos nesta gestão a campanha CRCSP Mais Você, na qual convidamos os profissionais registrados na entidade por 60 anos ou mais, sem nenhuma falta ética, para serem homenageados na mesma cerimônia onde os novos profissionais recebem suas carteiras de identidade profissional.
Seguimos com a campanha de Combate à Concorrência Desleal, fiscalizando as empresas irregulares e levando orientações a profissionais e empresários da contabilidade para que eles não cometam irregularidades por falta de conhecimento da legislação.
Estamos investindo no atendimento de qualidade dos profissionais, oferecendo a possibilidade de agendamento do melhor dia e horário para serem atendidos na sede. Aos novos profissionais, oferecemos o registro em tempo real: com a documentação correta, o bacharel em Ciências Contábeis já sai do CRCSP com seu número de registro. Esse serviço já está disponível na sede e nas delegacias regionais e a meta é ampliá-lo para todas as delegacias do Conselho no Estado de São Paulo.
A razão de ser do CRCSP é o profissional da contabilidade e tudo que planejamos, tudo que desenvolvemos tem esse propósito de colocá-lo no centro de nossas ações, independentemente da sua área de atuação.
SESCON-SP: Qual é a diferença do profissional da contabilidade hoje e há cinco anos?
MARCIA RUIZ ALCAZAR: A profissão evoluiu muito e o profissional ganhou mais destaque. Do meu ponto de vista, a principal diferença é o impacto da tecnologia no fazer contábil. A cada ano surgem novas tecnologias que exigem mais atualização do profissional. Por outro lado, essas novidades agilizam alguns processos e permitem ao profissional maior dedicação à ciência contábil e à análise de dados muito mais qualificados.
O mundo já exige de nós uma nova postura muito mais proativa, gestora e inspiradora. Temos o privilégio de sermos uma profissão regulamentada em nosso país e, por isso, onde existir uma pessoa jurídica, seja ela privada ou pública, sempre existirá um profissional da contabilidade qualificado para inspirar as melhores práticas de controle e gestão. Afinal, para o progresso desejado é preciso antes ter muita ordem. Uma empresa só prospera quando reconhece a importância e valoriza o profissional da contabilidade. Esse reconhecimento acontecerá naturalmente pela sociedade, seja pelo amor ou pela dor. Já somos uma profissão de tendência, reconhecida e entre as mais procuradas, mesmo no contexto da quarta revolução industrial, a da revolução digital.
SESCON-SP: Como um jovem universitário deve se preparar para os desafios futuros?
MARCIA RUIZ ALCAZAR: Receber o diploma de bacharel em Ciências Contábeis é apenas o primeiro passo. O segundo é ser aprovado no exame de suficiência. Em outras palavras: é preciso estudar sempre e, para exercer a profissão legalmente, obter o registro profissional junto ao CRC do estado onde irá atuar. A nossa profissão é regulamenta e uma das normas profissionais nos obriga a cumprir um Programa de Educação Profissional Continuada (NBC TG 12), com propósito de nos manter atualizados sempre. Esse programa já existe há 15 anos e está sendo ampliado para que, num futuro breve, todos os profissionais da contabilidade brasileiros cumpram essa exigência. Isso certamente nos diferenciará no mercado de trabalho e servirá de inspiração para toda a sociedade. Somos uma classe unida, fortalecida e muito qualificada. Participar para poder interferir é a escolha certa. Acompanhar as atividades oferecidas pelos CRCs, pelas entidades da classe contábil e discutir as audiências públicas realizadas pelo Conselho Federal de Contabilidade devem sempre estar na lista de prioridades de todo profissional.
SESCON-SP: Muito se diz sobre o impacto de novas tecnologias, como a inteligência artificial, no mercado de contabilidade. Na sua opinião, quais mudanças devem realmente ser consideradas?
MARCIA RUIZ ALCAZAR: São muitas mudanças acontecendo ao mesmo tempo. Estamos vivendo a quarta revolução industrial, a era da revolução digital. Não são apenas os profissionais da contabilidade que estão sendo afetados, mas toda a humanidade. As áreas mais impactadas são finanças, saúde e educação e a contabilidade está inserida dentro do contexto global dessa revolução nos serviços financeiros.
Investir no desenvolvimento de plataformas colaborativas, internet das coisas, tecnologia aplicada aos dispositivos móveis são alternativas já acessíveis e que muito impactarão no dia a dia da contabilidade. O governo brasileiro saiu na frente e vem investimento muito nesse sentido. A nossa profissão vem se inovando desde a implantação do Sistema Público de Escrituração Digital (Sped). Tudo que exige um trabalho manual será automatizado e quem ousar em não “surfar” essa onda, morrerá afogado.
Vivemos uma era do conhecimento imediato, onde o menos é mais. Todos buscam menos risco e mais transparência. Ordem é de fato a palavra de ordem!
Com isso temos que ter atenção aos dados, que têm um valor expressivo no mercado. No passado, dizia-se que a moeda do futuro seria o dado e isso já é fato! Quem souber estruturar e qualificar a informação sairá na frente e tudo isso só é possível com a utilização das tecnologias que cada vez estão mais acessíveis. Não existe mais o ERP que devo escolher para prover o meu serviço, mas sim o conjunto de soluções tecnológicas que robotizaram, por exemplo, processos de validação de notas fiscais, apuração de impostos, registros de transações financeiras e tudo sem a necessidade da intervenção humana.
Essa já é a realidade, porém, ainda existem profissionais que trabalham com cópias ou até caixas de documentos impressos. Isso sim é coisa do passado!
SESCON-SP: Qual é a posição do CRCSP sobre os serviços de contabilidade on-line?
MARCIA RUIZ ALCAZAR: Esse é um assunto que requer bastante prudência. Ao mesmo tempo em que é necessário acompanhar as mudanças tecnológicas e a evolução do mercado contábil, temos que analisar os impactos e desafios que surgem. O CRCSP está alinhado com o Conselho Federal de Contabilidade e participou no ano passado de uma reunião específica sobre o tema.
É importante ressaltar que a Constituição Federal assegura a livre concorrência e entender os limites entre concorrência leal e concorrência desleal é algo bastante desafiador.
Se por um lado somos proibidos por lei de estabelecer uma tabela de preços, não existe limite legal para a robotização de qualquer serviços prestado. Hoje a medicina já realiza cirurgias utilizando robôs, a psicologia faz atendimentos por Skype, instituições financeiras oferecem via aplicativos serviços a custo zero e os serviços contábeis se proliferam por meio das tecnologias digitais.
O CFC e os CRCs tomam todas as medidas cabíveis para que as prerrogativas legais da profissão contábil sejam asseguradas e cumpridas por quem está de fato habilitado, ou seja, o profissional devidamente registrado e regular.
Não é o CFC e os CRCs que regulam sobre as questões de preços em nosso país. No Brasil, isso é prerrogativa do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), que é uma autarquia federal, vinculada ao Ministério da Justiça, com sede e foro no Distrito Federal, que exerce, em todo o território nacional, as atribuições dadas pela Lei nº 12.529/2011. O Cade tem como missão zelar pela livre concorrência no mercado, sendo a entidade responsável, no âmbito do Poder Executivo, não só por investigar e decidir, em última instância, sobre a matéria concorrencial, como também fomentar e disseminar a cultura da livre concorrência.
SESCON-SP: Como, na sua opinião, o mercado pode conciliar o perfil consultivo das empresas de contabilidade com o foco em preço destes serviços prestados eletronicamente?
MARCIA RUIZ ALCAZAR: Sem dúvida, a liberdade de apuração de custos e definição de preço de venda é assegurada pela livre concorrência estabelecida pela Constituição Federal.
Cada vez mais, o serviço comum terá menos valor agregado, dado de domínio público, há quem diga que a escrituração terá custo zero e em contrapartida o conhecimento do profissional qualificado terá um valor muito mais agregado.
Quem confia cegamente na decisão de uma máquina? Os robôs podem realizar a estruturação e até mesmo a escrituração da informação, a qualificação de um dado, a análise de dados não estruturados, possibilitar uma atuação mais precisa, mas a decisão de seguir ou não sempre será de um profissional qualificado e que usará a tecnologia como sua aliada.
SESCON-SP: Que mudanças efetivas serão impostas ao mercado após a regulamentação da lei que rege a profissão do contador?
MARCIA RUIZ ALCAZAR: O Conselho Federal de Contabilidade (CFC) criou a Comissão para Apresentar Proposta de Reformulação do Decreto-Lei n.º 9.295/1946, da qual tenho o prazer de fazer parte. Desde a promulgação desse decreto, foram inúmeras as mudanças na profissão e, por isso, a atualização é tão necessária. Já tivemos algumas reuniões, mas ainda é cedo para falarmos em mudanças a serem impostas ao mercado. Precisamos considerar também que o mercado influencia diretamente o desenvolvimento da profissão e, em nossas discussões, estamos atentos a essa relação. No entanto, também seguimos pautados na garantia dos direitos já conquistados e em estabelecer limites de responsabilidades, com propósito de dar a segurança jurídica desejada no desempenho das funções do contador em todas as áreas de sua atuação.